A CULPA É DO MÁRCIO VIANNA!
- Inconsciente Feminino
- 1 de set. de 2021
- 2 min de leitura
Gosto de contar histórias. Quando, em janeiro de 1992, entrei naquele teatro não podia imaginar o que aconteceria na minha vida. Em 1992 estava recém divorciada, era uma ortodontista com consultório estabilizado, que amava eventos culturais. Morava em Niterói e nos deslocamos, eu e um amigo, para o Rio de Janeiro. Era sua despedida do Brasil, num domingo quente de verão. Escolhemos iniciar nossa ‘tournée’ cultural com a missa em canto gregoriano do Mosteiro de São Bento, museus e planetário da Gávea. No fim da tarde escolhemos tomar um chá no Centro Cultural Banco do Brasil e assistir uma peça de teatro. A escolha foi ‘quase’ aleatória: escolhemos a peça Circo da Solidão, direção e texto de Márcio Vianna. Segundo o release, o espetáculo tinha como base apenas três minutos da vida do personagem Werther de Goethe antes de seu suicídio. “Em cena o duelo feminino entre um Werther ator e um Werther escultor – entre o jovem e o que está próximo de se matar” (Prinzac, 2003, p. 89). Compramos o ingresso e entramos no teatro. O cenário, uma catedral construída com dez toneladas de barro, recriava um castelo medieval com escadarias e espaços para três versões de Werther em conflito com sua drástica decisão. À medida que acontecia o espetáculo algo aconteceu comigo. Não percebi de imediato, mas uma suspensão de tempo e espaço, uma distorção da realidade tomava os meus sentidos. Saímos em silêncio. Eu não tinha vontade da falar nada, só ficar em silêncio. Não me lembro de nenhum sentimento específico, além de uma inquietação que não conseguia definir ou entender. Ao entrar no carro tentei falar, percebi que estava afônica. Minha voz saiu rouca, baixa, mas disse: ‘Preciso fazer teatro...’
Meu amigo respondeu: ‘O que?’
Repeti mais alto: ‘Preciso fazer teatro!’
Deste modo, reputo a Márcio Vianna a responsabilidade por este ‘rito de passagem’ que mudou toda minha vida. Entrei naquele teatro como uma dentista burocrática e saí teatróloga[1]? Passados tantos anos, quero acreditar que sim. Fui invadida por uma emoção tão forte que roubou, não apenas a minha voz, mas a minha vida: abri minha carapaça e expus a pérola que estava escondida.
Aquele instante fundamentou uma caminhada na qual, acredito, ser a de um cavaleiro medieval que, após ver o Santo Graal, busca incessantemente encontrá-lo
[1] O termo teatróloga no texto refere-se a ‘àquele que se ocupa de teatro’
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